Comprar um imóvel já foi sinônimo de conquista, segurança e ascensão social no Brasil. Mas essa realidade mudou drasticamente. Para milhões de brasileiros, especialmente os mais jovens, o sonho da casa própria se transformou em um objetivo cada vez mais distante e quase impossível de alcançar.
O motivo? Uma combinação explosiva de preços que não param de subir, renda que não acompanha esse ritmo e um mercado imobiliário voltado para extremos, deixando a classe média sem opções viáveis.
Imóveis sobem, salários encolhem
De acordo com dados do FipeZAP, os valores dos imóveis dispararam nos últimos anos, superando com folga a inflação e o crescimento da renda. Enquanto isso, estudos da FGV mostram que até mesmo profissionais com ensino superior viram seus salários recuarem, com uma perda média de 12% entre 2012 e 2024.
Na prática, isso significa que comprar um imóvel padrão, que nos anos 90 exigia cerca de 8 anos de salário integral, hoje pode demandar mais de 20 anos de trabalho e isso sem contar os juros de financiamento, que dobram ou até triplicam o valor final pago pelo comprador.
Classe média abandonada pelos lançamentos imobiliários
O mercado da construção civil está focado em dois extremos: imóveis populares, financiados por programas como o Minha Casa, Minha Vida, e unidades de alto padrão, voltadas para a elite. No meio do caminho, a classe média enfrenta escassez de lançamentos e preços de usados que sobem descontroladamente por falta de concorrência.
Para piorar, o custo da construção subiu mais de 40% nos últimos cinco anos, segundo o INCC, encarecendo qualquer novo projeto e inviabilizando ainda mais o acesso à casa própria.
O entrave invisível: quem já tem imóvel não quer vizinhos novos
Um fator pouco discutido, mas decisivo, é a resistência de proprietários em bairros valorizados à construção de novos empreendimentos. O fenômeno conhecido como NIMBY (“Not In My Back Yard”) impede que cidades cresçam de forma equilibrada. Em São Paulo, por exemplo, áreas como Jardins e Pinheiros mantêm restrições que impedem novas construções, empurrando a população de baixa e média renda para regiões cada vez mais distantes do centro.
Além disso, o processo para aprovar uma obra no Brasil é lento, caro e cheio de burocracia. Segundo o Banco Mundial, pode levar quase um ano, elevando em até 12% o custo final do imóvel.
Não é o fim do sonho, é o fim do modelo antigo
A geração atual não abandonou a vontade de ter um lar, mas enfrenta obstáculos inéditos. A casa própria deixou de ser uma etapa natural da vida para se tornar um privilégio restrito. Se as políticas urbanas não forem repensadas, o modelo baseado na valorização eterna dos imóveis e no bloqueio a novas construções tende a aprofundar ainda mais a crise.
O caminho agora passa por repensar o conceito de moradia. Soluções como aluguel de longo prazo com segurança jurídica, cooperativas habitacionais e incentivo à construção mais acessível podem redesenhar o futuro da habitação no Brasil.
Ter um lar continua sendo um desejo real, mas é urgente criar alternativas para que ele volte a ser possível.