Quando se fala em Coreia do Norte, a imagem que vem à mente é de um país isolado e desconectado do mundo. Mas a realidade é diferente e ainda mais inquietante. Existe, sim, uma rede de telefonia móvel funcionando por lá. O problema é que, por trás de cada aparelho, há um sistema de vigilância minucioso, projetado para monitorar e restringir, não para conectar.

Os celulares norte-coreanos não são apenas limitados em recursos. Eles são projetados com um único objetivo: manter o cidadão sob controle constante, mascarando o aparato de espionagem com uma aparência moderna e inofensiva.

Smartphones que mais parecem espiões pessoais

Modelos como o Arirang 151 chamam a atenção à primeira vista. Disponível em três cores, com câmera, bateria e até suporte para teclado externo. Mas é aí que a liberdade acaba. Esses celulares não são exportados. E, dentro da Coreia do Norte, são apenas mais um braço do sistema estatal de vigilância.

Os smartphones comercializados no país funcionam com uma versão personalizada do Android, completamente alterada. Eles vêm carregados com jogos populares, cinco versões de Angry Birds, cópias de Candy Crush e até um aplicativo que emite som para espantar mosquitos. Parece inofensivo, mas não é. Sem acesso à internet, esses jogos são a única forma de distração permitida. Nada pode ser baixado remotamente.

A loja de apps é física e censurada

Não existe Google Play ou App Store. Para instalar um aplicativo, o usuário precisa ir até uma loja física, muitas vezes dentro de supermercados ou comércios locais. O processo é feito manualmente, com um computador transferindo o app para o celular.

Todos os aplicativos passam por verificação do governo. Se o arquivo não tiver uma assinatura digital autorizada, chamada de Nata Sign, ele não funciona. Qualquer tentativa de abrir um conteúdo não certificado resulta na exclusão automática do arquivo.

Cada clique é monitorado

Todos os celulares contam com um programa de espionagem de fábrica chamado Red Flag. Ele roda em segundo plano e tira uma captura de tela toda vez que um aplicativo é aberto. Essas imagens são armazenadas em uma pasta oculta, acessível apenas por autoridades. O usuário não pode apagá-las, visualizá-las nem saber quando são enviadas. Só existe um lembrete: um aplicativo pré-instalado chamado Trace Viewer serve como aviso constante de que alguém está sempre observando.

Além disso, todo arquivo precisa ter uma assinatura criptografada para existir no sistema. Fotos tiradas com o próprio celular recebem uma “Self Sign”. Músicas, vídeos ou qualquer outro conteúdo vindo de fora, precisam da autorização estatal. Sem isso, são apagados instantaneamente.

Um sistema travado até no sinal

A rede móvel da Coreia do Norte começou a funcionar apenas em 2008. Antes disso, a telefonia era baseada em linhas fixas, conectadas majoritariamente a órgãos do governo. Uma tentativa entre 2002 e 2004 de instalar uma rede móvel usando equipamentos da Hungria foi abortada após um atentado contra Kim Jong-il. Embora não houvesse ligação direta com o ataque, o governo suspendeu o acesso como punição coletiva.

Com a chegada da operadora Koryolink, instalada pela egípcia Orascom e posteriormente controlada pelo governo, o serviço de telefonia foi retomado, mas com diversas restrições. Só é possível realizar chamadas locais. Não há acesso à internet. O que existe é uma intranet chamada Kwangmyong, com cerca de 5 mil sites pré-aprovados. Propaganda estatal, notícias controladas e conteúdos locais fazem parte da navegação, tudo monitorado.

Produção de celulares? Só no discurso

Apesar de imagens divulgadas por Kim Jong-un visitando fábricas de smartphones, a realidade aponta para outra direção. Aparelhos como o AS1201 e Arirang 171 são, na verdade, modelos chineses com nova identidade visual. A Coreia do Norte não fabrica celulares. Ela importa e modifica. O foco está no sistema operacional e nos mecanismos de controle embutidos.

O celular como símbolo do regime

Na Coreia do Norte, até um simples smartphone é uma ferramenta de controle ideológico. As limitações não são técnicas, são intencionais. A ausência de internet, a censura dos aplicativos, a vigilância constante e a assinatura obrigatória de arquivos formam uma teia que impede qualquer uso livre da tecnologia.

A liberdade de expressão, aqui, é substituída por um Angry Birds modificado e um sistema que fotografa cada toque. O celular se transforma em um símbolo silencioso do regime, com aparência moderna, mas essência totalitária. Na Coreia do Norte, nem a tecnologia escapa da vigilância do Estado.

Compartilhar.